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Inteligência Artificial: Maior Inovação do Ano, por Fernando Nogueira da Costa

29 de dezembro de 2023

IMAGEM: REPRODUÇÃO

Mas ela não consegue, como a Inteligência Humana (IH), estabelecer causalidade, a partir de correlações entre diversas variáveis.

por Fernando Nogueira da Costa

A Inteligência Artificial (IA) é também utilizada para analisar grandes conjuntos de dados econômicos e identificar padrões, correlações e relações entre variáveis. No entanto, a capacidade de identificar correlações não implica automaticamente na capacidade de estabelecer causalidade e/ou construir teorias.

inferência causal é uma tarefa complexa por um efeito possivelmente ser emergente de muitos fatores interativos, alguns sequer examinados nas correlações. Requer uma compreensão profunda do contexto, conhecimento teórico e métodos específicos.

A IA, através de técnicas como machine learning e análise de dados, caso os usuários entendam seus limites, torna-se útil na identificação de padrões em dados econômicos. Tem também a capacidade de citar as correlações conhecidas entre variáveis.

Mas ela não consegue, como a Inteligência Humana (IH), estabelecer causalidade, a partir de correlações entre diversas variáveis. Correlações muitas vezes são espúrias (resultadas de coincidências) ou explicadas por “variáveis de confusão” não observadas, ou seja, uma terceira ou outras variáveis capazes de afetar ambas comparadas.

Ferramentas estatísticas e algoritmos mais avançados, como modelos causais, ajudam a abordar alguns desses objetivos, mas a interpretação dos resultados ainda requer uma abordagem cuidadosa da IH. A IA identifica padrões, mas a interpretação analítica deles, com uso de teorias econômicas, requer o envolvimento de especialistas humanos.

No caso, ajuda ter bastante conhecimento dessas teorias. A construção delas requer uma compreensão profunda das influências do contexto econômico, político e social para exame da possibilidade de abstração diante de qualquer tempo e lugar.

A IA tem limitações, especialmente quando se trata de compreender o contexto, lidar com dados ausentes ou enviesados, e incorporar conhecimento teórico. Ela opera com base nas informações disponíveis nos dados, daí não pode capturar nuances ou fatores não quantificáveis.

Os resultados obtidos por modelos de IA necessitam ser validados e testados em diferentes conjuntos de dados para verificar a robustez e a generalização das descobertas. A interpretação dos resultados e a formulação de teorias requerem insights qualitativos, inspirados na experiência e no conhecimento de especialistas humanos, incapazes de a IA fornecer.

Em síntese, a IA desempenha um papel importante na análise de dados econômicos e na identificação de correlações, mas a construção de teorias e a inferência causal continuam sendo tarefas complexas por envolverem considerações além da capacidade atual da IA. Bem-feita, a colaboração entre especialistas humanos e ferramentas de IA permite avançar na compreensão de fenômenos econômicos complexos.

Por exemplo, a partir da experiência com a economia brasileira,  quando se indaga à IA se há correlação ou causalidade em certo sentido entre as séries temporais da taxa de câmbio – taxa de inflação – taxa de juros – taxa de crescimento – taxa de desemprego, sua resposta é evasiva, senão simplória, no exame de toda essa sequência lógica

Reconhece as relações entre as citadas séries serem complexas e envolverem tanto correlação quanto causalidade em diferentes direções. Daí discute, breve se separadamente, algumas das relações comuns entre essas variáveis.

Ao examinar a taxa de câmbio e a taxa de inflação, reconhece a correlação: uma alta taxa de inflação está associada a uma desvalorização (perda de poder aquisitivo) da moeda nacional, levando a uma taxa de câmbio mais elevada. Como é contumaz, alerta: “pode haver uma relação de causalidade bidirecional”. O verbo auxiliar “poder” (no sentido de ter a possibilidade) é o mais utilizado pelo ChatGPT!

Por exemplo, “uma desvalorização da moeda pode levar a aumentos nos preços de importação, contribuindo para a inflação. Ao mesmo tempo, altas taxas de inflação podem afetar a confiança na moeda, levando à desvalorização.” Não afirma nada, taxativamente, sempre “tira da reta” – e fica “em cima do muro” tal como um tucano…

Quando questionada sobre a correlação entre taxa de juro e taxa de câmbio, afirma o lugar-comum:  “geralmente, taxas de juros mais altas em um país podem atrair investidores estrangeiros, resultando em uma demanda por sua moeda e sua apreciação”. O economista bem-formado tem de corrigir sua resposta, dada segundo o padrão norte-americano (US$ / um real): a IA diz “apreciação da taxa de câmbio” quando se paga mais dólares na troca por reais, ou seja, o dólar vale menos diante o real por causa da apreciação da moeda nacional, no Brasil, quando a taxa de câmbio (R$ / um dólar) cai.

O valor máximo da cotação da moeda, desde o início do ano, ocorreu em 4 de janeiro de 2023, chegando a R$ 5,45/US$. Já o valor mínimo foi de R$ 4,77/US$, em 26 de junho de 2023. A moeda brasileira apreciou-se ao ser cotada abaixo de R$ 5,00/US$.

A IA reconhece a possibilidade de haver uma relação de causalidade unidirecional ou bidirecional. “Taxas de juros mais altas podem levar a uma apreciação da moeda, mas também mudanças na taxa de câmbio podem influenciar as decisões sobre políticas monetárias”. Não faz a correlação com uma terceira taxa em comum: taxa de inflação.

E daí, sem fazer a devida conexão (menos conhecida) solicitada entre todas as citadas taxas, parte para o exame das duas últimas em correlação óbvia. “Geralmente, há uma relação inversa entre a taxa de crescimento econômico e a taxa de desemprego. Um crescimento econômico mais rápido tende a reduzir o desemprego”.

Alerta, novamente, “a relação causal pode ser bidirecional. Um aumento na demanda agregada (crescimento econômico) pode levar à criação de empregos, enquanto um mercado de trabalho saudável pode impulsionar o crescimento econômico”.

Retroalimentação é qualquer processo por intermédio do qual uma ação é controlada pelo conhecimento do efeito de suas respostas. A retroalimentação negativa contribui para a estabilidade do sistema, porque contraria os desvios diante do valor de equilíbrio, conduzindo à reposição do valor inicial. A retroalimentação positiva, associada a situações patológicas, não contribui para a estabilidade do sistema, dado promover o incremento dos desvios diante do equilíbrio, afastando o valor da normalidade.

O ChatGPT sempre, no fim de suas respostas, adverte para elas não serem “tomadas ao pé-da-letra”, no caso, “essas relações podem variar em diferentes contextos econômicos e em diferentes países. Além disso, fatores externos, políticas governamentais, choques econômicos e outros elementos podem influenciar significativamente essas relações ao longo do tempo”. Podem, podem… Cabe à IH decidir taxativamente a respeito.

No estudo de caso da economia brasileira, observo sempre um choque de preços relativos, provocado por choque cambial (depreciação súbita da moeda nacional), ser inflacionário. Embora o choque primário seja ultrapassado, ele é seguido por inflação inercial, devido ao conflito distributivo na reposição das perdas, diante do pico prévio de renda real, por fixadores de preços e demandantes de salários.

choque cambial resulta em uma mudança dos preços relativos entre bens importados e bens produzidos internamente. A inflação inercial refere-se a um tipo persistente, ao longo do tempo, mesmo após a causa inicial do aumento nos preços ter desaparecido.

Depois do choque cambial ter afetado os preços relativos, os produtores e trabalhadores tentam preservar ou melhorar suas margens de lucro ou salários, levando a certa persistência na alta de preços. No Brasil, há 20 anos, mesmo com choques de preços monitorados (2015) e de preços dos importados (2021), a taxa média anual inercial é 5,79%. Está errado o combate de inflação inercial com o controle da demanda agregada.

Um choque cambial afeta os custos operacionais de empresas de serviços públicos, especialmente aquelas privatizadas e controladas por investidores estrangeiros com balanços dolarizados. Por isso, fazem pressões para ajustar os preços monitorados, mas as respostas específicas dependerão das políticas regulatórias, do ambiente de negociação e das considerações sociais e políticas em jogo. Banco Central não interfere.

O Banco Central do Brasil fixa juros disparatados. Estes provocam fenômenos econômicos como a estagflação (combinação de estagnação econômica e inflação) e a estagdesigualdade (estagnação do fluxo de renda e concentração da riqueza financeira).

Por um lado, taxas de juros altas desfavorecem a alavancagem financeira e aumentam a dívida, tanto a pública, quanto a privada. Por outro lado, taxas de juros baixas impactam negativamente os rendimentos de títulos de renda fixa, inflam bolhas de ativos e concentram riqueza naqueles possuidores de ativos de risco como ações e dólar.

A fixação de taxas de juros está sujeita a difíceis trade-offs. As escolhas do Banco Central deveriam equilibrar objetivos como controle da inflação, estímulo ao crescimento econômico e estabilidade financeira. No entanto, no Brasil, privilegiam evitar a eutanásia dos rentistas, caso a taxa de inflação supere a taxa de juro, e a fuga de capital, para o dólar, como ocorre na vizinha Argentina. Com o ganho em renda fixa, quem quer dólar?!


Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com

FONTE: JORNAL GGN

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