Inteligência Artificial: Agronegócio e Sustentabilidade, por Ana Beatriz Prudente Alckmin e Fernando Neisser

Tecnologia na agricultura (Foto: Senar)
Revolução do agronegócio marca um movimento global de intensa transformação digital com a utilização de tecnologias disruptivas que serão protagonistas aliadas às práticas sustentáveis
Com Fernando Neisser*
A história da IA
A Inteligência Artificial já era pauta antes mesmo de ser viável, tecnologicamente falando. O trabalho de pensar e agir como um verdadeiro ser humano, mesmo não sendo feito de carne e osso, já estava sendo explorado nas películas da década de 30, como no filme Metrópolis (1927), dirigido por Fritz Lang. Muito antes disso, a possibilidade de criar seres inteligentes povoa a mente humana há séculos; de Hefesto, deus grego da mitologia, supostamente capaz de criar autômatos, ao golem do Rabbi Löw, que protegeria os judeus de Praga contra a perseguição antissemita.Com a intensificação das pesquisas científicas no período da Segunda Guerra Mundial, em 1943, Warren McCulloch e Walter Pitts publicaram um artigo que falava, pela primeira vez, das estruturas de raciocínio artificial que imitavam o sistema nervoso de uma pessoa. Para alguns, as IAs sempre estiveram envoltas em uma crença de que, um dia, esses seres criados pelo homem se tornariam independentes e se voltariam contra os próprios criadores; crença esta que prejudicou seu desenvolvimento.
Em 1956, as IAs recebiam o seu pontapé inicial. Durante a Conferência de Dartmouth, Nathaniel Rochester, John Mccarthy, Marvin Minsky e Claude Shannon se reuniram com outros pesquisadores para, finalmente, tirar as ideias do papel. Depois de definirem que todo e qualquer aspecto de aprendizado humano pode ser descrito de forma precisa que possibilite a simulação por parte das máquinas, o projeto acabou adquirindo o incentivo de inúmeros órgãos e instituições americanas.
Entretanto, em meados dos anos 70 a humanidade presenciou o início do inverno da Inteligência Artificial, fase marcada por poucas novidades e grandes cortes nos investimentos. O sonho de reduzir todo comportamento a uma regra escrita havia se mostrado inviável. Com poucos holofotes pairando sobre o setor, uma reinvenção se tornava necessária. A chegada dos sistemas especialistas, propostos primeiramente pelo professor Edward Feigenbaum, permitiu que softwares fossem capazes de realizar atividades complexas com uma base de conhecimentos mais ampla. Com a aproximação entre as novas tecnologias e os setores corporativos, vários outros segmentos avistaram nas IAs infinitas possibilidades.
Chegada no agronegócio
A chegada de tecnologias para facilitar o trabalho na terra já vem acontecendo há muitos séculos. Entretanto, é a década de 90 que marca a utilização de artifícios cada vez mais complexos no campo. Junto com essa chegada, surgiram muitas discussões de que esses novos equipamentos iriam substituir a mão de obra humana, gerando o desemprego no campo, o que, consequentemente, levaria a um êxodo rural. Hoje, nós sabemos que se as cidades campesinas tiverem investimentos em educação, políticas públicas que estimulem a economia criativa e incentivem o empreendedorismo rural, outras categorias de emprego no campo serão geradas. Dizer que a pessoa que se encontra no campo precisa ser, necessariamente, um agricultor é uma crença limitante que ajudou, por muitos anos, a ocultar a falta de investimento do poder público na esfera rural. Entretanto, mesmo com a ativação econômica das cidades campesinas, a reforma agrária ainda é uma pauta urgente.
Por isso, a Inteligência Artificial é tão importante para o campo. Até mesmo no agronegócio, as IAs são responsáveis por otimizar diversos processos, protocolos e experiências de inúmeros serviços e produtos. De acordo com os representantes da I2AI, este tipo de tecnologia terá um crescimento de 25,5% entre os anos de 2020 e 2026, gerando mais de 14 trilhões de dólares em escala global até 2035. Além de atuar como um dos maiores motores eletrônicos que investem em tecnologia no Brasil, o agronegócio é responsável por gerar alimentos para uma população que se encontra em constante processo de mudança.
A Revolução do agronegócio marca um movimento global de intensa transformação digital com a utilização de tecnologias disruptivas que serão protagonistas aliadas às práticas sustentáveis. Portanto, a agrosustentabilidade deverá caminhar ao lado dessa evolução tecnológica no campo. Todo e qualquer uso de equipamento tecnológico no ambiente agrícola deverá favorecer a sustentabilidade ambiental. Atualmente, as principais ferramentas do campo não são arados e ancinhos, mas tablets, computadores e smartphones. Além de auxiliarem nas tomadas de decisões, esses dispositivos inteligentes permitem uma melhor compreensão dos ciclos da natureza e da terra para que o seu uso não seja predatório, pois as práticas conservadoras da monocultura agrária não vão de encontro com a Revolução tecnológica possibilitada pela Inteligência Artificial.
No agro, a informação tem muito valor e pode vir de maneiras completamente diferentes. De acordo com dados da empresa Accenture and Frontier Economics, o setor de agricultura, floresta e pesca lucra 53% a mais com a utilização da inteligência artificial. A geração de mapas de produtividade e o mapeamento detalhado das produções são apenas alguns dos exemplos que ajudam a solidificar o papel da tecnologia no ramo. Com o uso de satélites e sensores já é possível se preparar para as adversidades climáticas e acompanhar o estado comportamental do gado e dos rebanhos.
A ciência de dados, por sua vez, age como um método de estudo interdisciplinar que visa a extração de dados e o reconhecimento de padrões em forma de estatísticas. Presente na saúde, logística e em diversos ramos do setor financeiro, essa ciência se aproxima do contexto campestre para facilitar ainda mais a vida dos produtores rurais. Em um campo com infinitas possibilidades, a ciência de dados se integra com outros artifícios não tão convencionais do campo, como a robótica e a Inteligência Artificial, para fazer a diferença na hora de plantar, colher, transportar e armazenar as “produções inteligentes” da lavoura.
O Big Data, termo utilizado para definir um sistema que armazena informações pertinentes ao setor, também se torna crucial para permitir que as tecnologias empregadas no campo sejam economicamente viáveis e ambientalmente relevantes. O artifício IoT, ou internet das coisas, surge como um grande alimentador do Big Data, permitindo que inúmeros desafios, que antes exigiam a presença do produtor, agora possam ser enfrentados com pouco ou nenhum acompanhamento humano. Além da competitividade econômica, o IoT reforça o compromisso da gestão de recursos, aumentando significativamente as taxas de rentabilidade e de produção.
Se os veículos autônomos ainda são um sonho para os ambientes urbanos, no campo o cenário é diferente. Enquanto não se consegue lidar com a imprevisibilidade do trânsito nas cidades, as zonas agricultáveis oferecem o melhor palco para o desenvolvimento desta tecnologia. De drones que fazem pulverização a veículos autônomos sobre rodas para plantio, colheita e carga, o Brasil vem se destacando no setor nos últimos anos.
E os benefícios da agricultura digital não se limitam somente ao setor. Segundo a Embrapa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a agricultura digital também produz um impacto positivo no meio ambiente por meio da gestão territorial – que faz o uso eficiente da terra –, da irrigação precisa e do monitoramento do desperdício da produção, o que promove uma maior integração entre a cidade e o campo. Ainda de acordo com a Embrapa, as agro startups do Brasil têm se destacado no investimento em agtechs, tecnologias na agricultura. De acordo com a entidade, o Brasil saltou de 30 milhões em investimentos no ano de 2013 para 80 milhões em 2018.
Nitidamente, o Brasil sempre se destacou como um grande adepto à digitalização, principalmente no campo da agricultura. Apesar disso, esse processo acaba sendo quase que exclusivo dos grandes proprietários rurais, já que os pequenos ainda não possuem acesso a essas tecnologias avançadas. Em razão disso, solidificou-se uma elitização do IA. Esse paradigma resultou na necessidade de políticas públicas de apoio para que os pequenos produtores rurais adquiram e recebam o treinamento adequado nesse campo do conhecimento. A digitalização, quando interpretada como agente principal de transformação na agricultura, deve ser acompanhada do empoderamento dos pequenos produtores e das pautas agroecológicas.
O crescimento populacional, as alterações climáticas frequentes, a escassez de recursos naturais e a disponibilidade de terra são os principais desafios enfrentados atualmente pelo agronegócio. De acordo com dados do Censo Agropecuário de 2017, em apenas 11 anos (de 2006 até 2017), 2,2 milhões de trabalhadores do campo deixaram seus postos, causando a diminuição de 9,5% no fluxo da agricultura familiar brasileira; diminuição esta que exerce um grande impacto no setor. A revolução digital surge justamente para gerenciar os insumos de forma otimizada, possibilitando alcançar novos resultados com menos recursos.
A utilização da agricultura de precisão, que analisa cada planta de maneira individual, permite que a produção de alimentos em maior escala e a sustentabilidade ambiental possam atuar juntas no mesmo lado da moeda. Segundo a Mckinsey e Company Brasil, 47% dos produtores brasileiros utilizam, ao menos, uma tecnologia proveniente da agricultura de precisão. Com isso, é possível constatar que o futuro da agroecologia é quase certo. Aqueles que não se adaptarem às novas diretrizes sustentáveis e tecnológicas certamente serão superados pela concorrência. Com máquinas conectadas, câmeras de monitoramento e algoritmos que auxiliam no cotidiano do produtor, o setor agrônomo está apto para dar continuidade na obtenção das necessidades humanas de maneira consciente e eficaz.
*Fernando Neisser é Mestre e Doutor pela Faculdade de Direito da USP. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP). Presidente da Comissão Permanente de Estudos em Direito Político e Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP). Advogado nas áreas de Direito Eleitoral, Público e Digital.
Fonte: Revista Fórum