Envelhecer LGBTQIA+: a luta por dignidade, direitos e contra o preconceito de idade

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Marcha da Classe Trabalhadora LGBTQIA+ da CUT em SP conscientizará sobre as dificuldades de ser LGBTQIA+ com mais idade no Brasil, abordando o abandono, falta de políticas públicas e mercado de trabalho
Fonte: CUT
Imagine enfrentar o preconceito por amar quem você ama e por ser quem você é durante a vida inteira. Agora imagine, somado a isso, ter que lidar com o etarismo — a discriminação por causa da idade. Essa é a realidade de muitos LGBTQIA+ com mais de 50 anos no Brasil.
No Mês do Orgulho LGBTQIA+, para conscientizar a sociedade de que essas pessoas merecem atenção, dignidade, respeito, acolhimento e, especialmente, políticas públicas específicas, a CUT levará a pauta à 1ª Marcha Nacional da Classe Trabalhadora LGBTQIA+, no dia 20 de junho, em São Paulo. (Mais informações ao fim da matéria.)
Para esse segmento da população, a realidade é cruel. Muitos acabam invisibilizados, sem emprego formal e sozinhos. Conseguir uma vaga no mercado de trabalho já é um desafio para a comunidade LGBTQIA+; com a idade, tudo piora. A afirmação é de Walmir Siqueira, secretário nacional de Políticas LGBTQIA+ da CUT.
“O mercado de trabalho para a população LGBTQIA+ tem algumas particularidades, como não absorver pessoas trans. Há discriminação contra gays mais afeminados, lésbicas mais masculinizadas e, especialmente, contra pessoas trans, que enfrentam barreiras enormes para conseguir um trabalho. Se a pessoa tem mais de 50, 60 anos, tudo é ainda pior”, afirma o dirigente.
Em entrevista ao podcast Estúdio CUT, Zezinho Prado, de 71 anos, dirigente e membro do coletivo LGBTQIA+ da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) e representante da entidade no Conselho Nacional de Políticas LGBTQIA+, conta que só está vivo porque é funcionário público.
“A grande maioria tem problemas familiares. E, partindo da minha experiência, eu só consegui chegar até aqui porque sou funcionário público. Sou secretário de escola. Mas se você observar o mercado, especialmente para pessoas trans, gays afeminados, lésbicas mais masculinizadas, é muito mais difícil”, relata.
Se você é LGBTQIA+, envelhecer no Brasil pode ser uma sentença de solidão. Muitos não têm família, não conseguiram se aposentar e acabam na rua ou no suicídio. Precisamos mudar isso agora- Zezinho Prado

A ausência de apoio familiar, emprego e renda leva muitas pessoas LGBTQIA+ mais velhas a uma condição de vida extremamente vulnerável. “Muitos acabam vivendo sozinhos e abandonados, levando a casos de suicídio, por não terem família, não terem emprego, não terem renda. Muitas vezes resta, ou a rua, que é muito difícil, ou o suicídio”, pontua Zezinho. Essa realidade dolorosa é um reflexo direto da vivência de preconceito e discriminação que essas gerações enfrentaram ao longo de suas vidas.
O futuro é agora
A luta pela dignidade na velhice LGBTQIA+ não é uma pauta do futuro — é uma urgência do presente, de acordo com o secretário nacional de Políticas LGBTQIA+ da CUT, Walmir Siqueira. “Muitos acham que as pessoas da comunidade LGBTQIA+ simplesmente ficam na prostituição ou subempregos. A gente quer tirar a população dessas condições de trabalho, dar dignidade a quem enfrenta o etarismo, garantir que essa pessoa possa ter um futuro decente”, explica Walmir.
E ele afirma que essa luta envolve toda a sociedade, em especial as pessoas mais jovens. O recado é claro para as novas gerações: “é preciso que essa juventude, principalmente essa juventude, LGBTQIA+ entenda uma coisa que é muito importante. A gente vai envelhecer, a gente vai chegar lá“.

Ele reforça que a consciência das pessoas mais jovens precisa mudar em relação à idade e ao etarismo, para que a história de solidão e suicídio enfrentada por muitos não se repita. Zezinho Prado, militante experiente e dono de uma trajetória que teve início em tempos ainda mais violentos contra a população LGBTQIA+ afirma que “sempre é tempo de somar”, se referindo ás outras gerações.
A sua luta por respeito e dignidade, ele diz, continuará, independentemente da idade. “Enquanto eu tiver saúde, pernas para andar, eu vou continuar marchando, eu vou continuar lutando e vou continuar gritando e dizendo, eu quero e exijo respeito”
O dirigente ainda aponta que a juventude LGBTQIA+ de hoje só terá um futuro digno se o país começar, agora, a olhar para quem já envelheceu sem o suporte necessário. “É preciso romper com o ciclo de abandono, investir em políticas públicas intersetoriais e reconhecer que a diversidade precisa ser respeitada em todas as fases da vida, diz.
No centro do debate
Embora a pauta dos direitos LGBTQIA+ tenha ganhado visibilidade em diversas esferas sociais nas últimas décadas, pouco se fala sobre o futuro dessas pessoas quando atingem a terceira idade. Invisibilidade, solidão, abandono, dificuldade de acesso à saúde e exclusão do mercado de trabalho compõem o cotidiano de muitos idosos LGBTQIA+ no país.
Sem dados oficiais, políticas públicas eficazes ou reconhecimento de suas necessidades específicas, essa população envelhece à margem da sociedade — marcada não apenas pelos anos vividos, mas pelo acúmulo de estigmas e barreiras sociais que nunca foram superadas.
Um dos maiores desafios para compreender e enfrentar a situação da velhice LGBTQIA+ no Brasil é a ausência de dados específicos. Não há estatísticas exatas sobre o número de pessoas idosas LGBTQIA+ no país, dificultando a formulação de políticas públicas que levem em conta suas realidades e urgências, fato que perpetua a invisibilidade e contribui para o desamparo institucional.
A negligência começa nos censos e pesquisas populacionais, que não incluem recortes de identidade de gênero e orientação sexual na terceira idade, e se estende aos serviços de saúde, previdência e assistência social, que ignoram as demandas particulares desse grupo.
Dados da pesquisa All Out (2022) apontam que 48% dos idosos LGBTQIA+ relatam solidão extrema. Já o Grupo Arco-Íris (2023) revela que 70% temem sofrer discriminação em instituições de acolhimento. Apenas 12% dos asilos no Brasil possuem protocolos de inclusão para pessoas LGBTQIA+, segundo o Ministério da Saúde.
- 48% dos idosos LGBTQIA+ relatam solidão extrema (pesquisa All Out, 2022).
- 70% temem sofrer discriminação em asilos (Grupo Arco-Íris, 2023).
- Apenas 12% das instituições de acolhimento no Brasil têm protocolos de inclusão (Ministério da Saúde, 2021).
Saúde e abandono
No campo da saúde, o cenário também é alarmante. A população LGBTQIA+ idosa encontra serviços despreparados, profissionais não capacitados e, muitas vezes, atitudes discriminatórias que afastam essas pessoas do atendimento básico e especializado. Homens trans que necessitam de ginecologistas, mulheres trans em processo de transição hormonal e outras condições demandam cuidados específicos que simplesmente não são ofertados com dignidade e respeito.
“O SUS é bom, é necessário, temos de defender sempre. Mas o SUS ainda não está preparado para as nossas demandas. Temos que cobrar”, diz Walmir Siqueira.
O sofrimento psíquico é agravado pela solidão e pelo isolamento. Sem apoio familiar, muitos idosos LGBTQIA+ enfrentam depressão, ansiedade e adoecimento mental — problemas invisibilizados pelas políticas públicas e por uma sociedade que insiste em ignorar sua existência.
Cultura e arte
A visibilidade e a representatividade de artistas e personalidades públicas também são fundamentais para essa mudança de consciência. Nomes como Ney Matogrosso, de 82 anos, que continua a inspirar e atuar com dignidade, mostram a possibilidade de uma velhice ativa e respeitada.
Outros exemplos são Angela Ro Ro, 74 anos, cCantora e compositora, i uma das primeiras artistas brasileiras a se assumir lésbica publicamente. Voz marcante na MPB e símbolo de resistência.
Laerte Coutinho, 73 anos, cartunista, chargista e roteirista é mulher trans e uma das artistas gráficas mais importantes do Brasil. É referência na luta por direitos e representatividade.
Ícones pop como as cantoras Cher e Madonna, ambas com mais de 60 anos são exemplos de personalidades que defendem a comunidade LGBTQIA+ e que, paralelamente, enfrentam os desafios de conviver com o etarismo.
A arte, a cultura e a presença de figuras LGBTQIA+ em espaços de poder, como deputados estaduais e vereadores, contribuem para que a sociedade comece a tratar essas pessoas com igualdade. Quando
Marcha histórica e reivindicações
A CUT realizará a 1ª Marcha Nacional da Classe Trabalhadora LGBTQIA+, no dia 20 de junho, em São Paulo, com concentração marcada para o meio-dia na Praça Roosevelt e caminhada até o Theatro Municipal. A marcha é um marco inédito e necessário, que busca unir a luta sindical à pauta LGBTQIA+, chamando atenção para temas como trabalho digno, geração de renda, saúde, previdência e, especialmente, o direito à velhice com dignidade.
A programação contará com falas de lideranças políticas e sindicais, além de apresentações artísticas e manifestações culturais.

As reivindicações incluem:
- Inclusão de identidade de gênero e orientação sexual nos censos oficiais;
- Protocolos obrigatórios de inclusão em instituições de acolhimento;
- Acesso à previdência e aposentadoria para quem viveu à margem do mercado formal;
- Programas públicos de saúde mental voltados à população LGBTQIA+ idosa;
- Centros de convivência específicos, com segurança e respeito às identidades;
- Formação de profissionais da saúde, assistência e educação para lidar com essa população;
- Campanhas públicas de combate ao etarismo e à LGBTfobia.
Walmir Siqueira explica que a iniciativa é um desafio que a CUT propôs em seu encontro nacional de coletivos no ano passado, buscando uma data que não conflitasse com outros eventos históricos do movimento. A concentração será na Praça Roosevelt, a partir do meio-dia, com falas políticas e apresentações.
“Nós não podemos ficar de braços cruzados quando você tem um número de desemprego da população LGBT, que é a mais enorme no país, quando você não tem uma legislação específica, quando as casas legislativas não legislam para essa população, para nós, e também quando você tem um país que está na lista que mais assassina pessoas LGBTQIA+”.
Mês do orgulho
Em 2025, o mês do orgulho LGBTQIA+ terá como foco principal a celebração da memória, resistência e futuro da comunidade LGBTQIA+, especialmente no que diz respeito ao envelhecimento. A 29ª Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo, que será realizada no dia 22 de junho na Avenida Paulista, terá este tema como inspiração, destacando a importância de valorizar as histórias de vida e o legado das pessoas 60+