Contracs: pejotização irrestrita no comércio prejudicará trabalhador e patrão

FOTO: Roberto Parizotti (Sapão)
Ação no STF pode aprovar a pejotização para todas as categorias. Presidente da Contracs, diz que esse modelo vai afastar ainda mais trabalhadores para atuarem no comércio
O comércio, principalmente o setor de supermercados, tem tido dificuldades para atrair trabalhadores que não têm aceitado a jornada 6 por 1 e os baixos salários, em torno de R$ 1.800 mensais. Essa situação pode piorar caso o Supremo Tribunal Federal (STF), decida que todo e qualquer emprego poderá ser realizado no modelo Pessoa Jurídica (PJs), sem restrição. Esta é a análise de Julimar Roberto de Oliveira Nonato, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços (Contracs-CUT), que representa cerca de 300 mil trabalhadoras e trabalhadores do setor. Entenda abaixo a ação no STF.
“A grosso modo é um tiro no pé dos patrões porque se eles estão com dificuldade hoje de encontrar mão de obra, principalmente os supermercados, imagina sem oferecer direito algum”, diz.
Mas, independentemente do setor de supermercados, a pejotização irrestrita pode afetar toda a cadeia do comércio porque ela acabará com qualquer obrigação de contratos com carteira assinada, de acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
“Essa história de PJ, a gente sabe como funciona porque se pressupõe que é um contrato entre empresas, sem jornada especifica, mas o trabalhador vai acabar sendo obrigado a cumprir uma carga horária, por pressão da empresa. Ou seja, ele vai estar subordinado a um empregador”, ressalta Julimar.
O dirigente entende que a pejotização irrestrita, mesmo se aprovada pelo Supremo, é inconstitucional, pois acaba com os direitos trabalhistas garantidos no artigo 7º da Constituição.
“O artigo 7º garante o direito a 13º salários, férias, seguro desemprego, aviso prévio aposentadoria. A pejotização irrestrita vai destruir todos os direitos dos trabalhadores”, afirma Julimar.
Setor já precarizado
A categoria do comércio é muito ampla, mas uma parte enfrenta a precarização por causa das plataformas que contratam como PJs os que trabalham em e-commerce.
“Foi o que aconteceu com os entregadores de alimentos, que antes eram os funcionários de lanchonetes, restaurante e supermercados. Mas com a chegada das plataformas, esses trabalhadores já não são mais contratados diretamente com direitos. É uma quarteirização com o argumento absurdo de que a plataforma não é uma empresa, ela é uma facilitadora do caminho da mão de obra”, critica Julimar.
Precarização já não deu certo no governo FHC
Mesmo antes da reforma Trabalhista, em 2017, que retirou mais de 100 direitos contidos na CLT, em 1998, o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), editou uma Medida Provisória (MP) para criar o sistema Parcial de Trabalho, com duração máxima de carga horária de 25 horas semanais. No entanto, a empresa poderia obrigar a compensação do tempo reduzido, não pagando horas extras ao trabalhador, em épocas em que precisasse mais dele. As férias anuais seriam proporcionais ao número de horas trabalhadas no período e o pagamento do 13º salário e o repouso semanal remunerado também seriam proporcionais.
“Os trabalhadores desistiram desse modelo por falta de interesse em ganhar menos e trabalhar como PJ, além da questão salarial, tem a falta de todo e qualquer direto”, afirma Julimar.
Veja a lista dos direitos básicos que você vai perder com a pejotização irrestrita:
13º salário – Dependendo do tipo de contrato a ser assinado ou acordado verbalmente, a empresa não terá obrigação de pagar o 13º salário.
Férias remuneradas e os 40% – O trabalhador pode perder o direito a férias ou se a empresa concordar em oferecer o período de descanso, elas podem ser não remuneradas e sem os 40% que hoje são pagos sobre o salário.
Licenças maternidade e paternidade – As mães trabalhadoras perderão do direito à estabilidade por seis meses e o período de afastamento não será remunerado. Os pais também perderão os cinco dias de folga que têm direito após o nascimento do filho. No entanto, se a empresa estiver cadastrada no programa Empresa Cidadã, o prazo será estendido para 20 dias (cinco dias, prorrogáveis por mais 15 dias).
Seguro-desemprego – Sem registro em carteira o trabalhador não tem direito a esse benefício
Licença remunerada por acidentes – O trabalhador dependerá da boa vontade do patrão em pagar o tempo que ficará incapacitado para o trabalho.
Pagamento de horas extras – Embora o trabalhador pejotizado, em tese, não precise cumprir um horário de trabalho, muito provavelmente, ele será pressionado a cumprir jornadas que podem ultrapassar as 8 horas diárias, sob ameaça de demissão.
Descanso semanal – O patrão poderá submeter o trabalhador a uma jornada exaustiva e trabalho aos finais de semana e feriados.
Horário de almoço – Hoje quem trabalha 8 horas diárias tem direito a uma hora de intervalo para o almoço. Com a pejotização irrestrita, sem poder de barganha esse intervalo poderá ser reduzido ao tempo que o patrão oferecer.
Aviso prévio – Trabalhado CLT tem direito a receber um mês de salário como aviso prévio. Pejotizado ele pode ser dispensado da noite pro dia e sair sem nada.
Vale-transporte – O trabalhador terá de tirar do próprio bolso o dinheiro da sua condução para chegar ao trabalho.
FGTS – O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço que é essencial para a subsistência do trabalhador quando ele está desempregado não precisará mais ser recolhido. Indiretamente o trabalhador não terá saldo em conta para financiar a sua casa própria.
Aposentadoria – Sem registro em carteira não será preciso recolher a contribuição para o INSS. Desta forma na hora de se aposentar o trabalhador não terá direito a receber o benefício.
Adicional de insalubridade e periculosidade – Dependendo da profissão e dos riscos que ela oferece à saúde a até à vida do trabalhador, ele recebe um valor adicional em seu salário. Sem carteira assinada esse direito também poderá ser retirado.
Proteção contra demissões sem justa causa – Hoje a legislação protege o trabalhador para que ele ao ser demitido sem justa causa receba todos os seus direitos. Com a pejotização ele poderá ser dispensado a qualquer momento e sair com as mãos abanando.
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Impostos a cargo do trabalhador
Além disso um trabalhador pejotizado deixará de ser tratado como pessoa física e passará a ser jurídica, sendo obrigado a abrir uma empresa seja como Micro Empreendedor Individual (MEI), se ganhar até R$ 81 mil ao ano ou R$ 6.750 ao mês, ou como Microempresa (ME), que é aquela que fatura até R$ 360 mil por ano ou ainda como Limitada (LTDA).
Nas MEIs o valor do imposto é de 5% sobre o salário mínimo vigente. A ME paga entre 4% e 33% do faturamento, dependendo da categoria empresarial a qual pertencer. Por fim, a LTDA, em que a maioria dos profissionais PJ paga entre 9% a 11% de impostos no total, se estiver enquadrado no Simples Nacional.
O trabalhador ainda poderá em alguns casos precisar pagar um contador que calculará as taxas mensais de cada tipo de empresa a serem pagas e também na hora de declarar o imposto de renda anual. Ou sea, mias despesa para o pejotizado.
Outros prejuízos aos trabalhadores e trabalhadoras
Prejudica o combate ao trabalho escravo;
Impossibilita a aplicação da Lei da Igualdade Salarial;
O preenchimento de cotas para a contratação de Pessoas com Deficiência (PCD);
As consequências do trabalho sem carteira assinada também serão nefastas para a arrecadação do FGTS, responsável pelo financiamento da casa própria e obras de infraestrutura, da Previdência, de impostos e outros tributos necessários para a economia do país.
Entenda a ação da pejotização no STF (Agência Brasil)
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, decidiu no dia 14 de abril, suspender temporariamente todos os processos que discutem a legalidade da chamada “pejotização”.
A decisão foi tomada depois que a Corte reconheceu, dias antes, a repercussão geral do assunto, ou seja, a necessidade de se tomar uma decisão que sirva de modelo para todos os casos semelhantes, unificando o entendimento da Justiça brasileira sobre o tema.
Essa uniformização se tornou necessária porque o TST já havia se posicionado contra a pejotização, o que impulsionou a justiça trabalhista a reconhecer o vínculo de prestadores pejotizados.
Em 2018, o STF julgou esse entendimento inconstitucional e decidiu liberar empresas privadas ou públicas a fazer a chamada terceirização, isto é, contratar outras empresas para realizar qualquer atividade, em vez de contratar pessoas físicas por meio de contrato assinado na carteira de trabalho. A partir daí, a decisão do STF passou a ser usada para derrubar milhares de vínculos empregatícios reconhecidos pela justiça trabalhista.
Para o ministro Gilmar da Mendes, a Justiça do Trabalho tem ignorado decisões da Corte sobre terceirização, o que tem gerado insegurança jurídica e lotado o tribunal com recursos repetidos.
Agora, o STF decidirá se a Justiça do Trabalho é a única que pode julgar casos de fraude no contrato de prestação de serviços, se é legal contratar pessoa jurídica em vez de assinar carteira de trabalho e quem deve provar se houve fraude: o patrão ou o trabalhador.
Fonte: CUT