Deepseek mostra que IA de big techs dos EUA é baseada em ‘pura especulação’, diz historiador
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Com menor custo e quantidade de chips necessários para a tecnologia da IA, DeepSeek tem as mesmas funcionalidades do ChatGPT e OpenIA – MLADEN ANTONOV/AFP
Miguel Stedile, professor da UFRGS e Mauro Ramos, correspondente do BdF na China, foram os convidados de ‘O Estrangeiro’ desta semana
Lançada em janeiro deste ano, a Inteligência Artificial (IA) chinesa Deepseek superou em aspctos importantes suas principais concorrentes do Vale do Silício nos Estados Unidos. A IA chinesa funciona como o ChatGPT, fabricada pela Open IA, mas tem um custo muito menor. Segundo a startup chinesa que criou a DeepSeek, o investimento para treinar a ferramenta foi de apenas US$ 6 milhões (R$ 34 milhões) – muito abaixo de suas concorrentes.
Para o historiador Miguel Stedile, a chegada da DeepSeek no mercado revelou que as big techs dos Estados Unidos estavam baseadas em “pura especulação”, em processo similar ao que tem sido feito no mercado de carbono e NFTs.
“Todas essas IAs estavam captando muito recurso, negociando muitos recursos ou valorizando todas as suas ações no mercado financeiro, justificando com a alta tecnologia. E a DeepSeek consegue fazer mais barato, com menos recursos. Isso desmonta muito dessa especulação. Revela como promete muito mais do que entrega na vida real”, disse no episódio desta quinta-feira (20) de O Estrangeiro, o podcast de política internacional do Brasil de Fato.
Stedile também aponta que, por trás das big techs dos EUA, geridas por bilionários alinhados à administração republicana de Donald Trump, existe um ideário comum, que na América Latina é expresso pelo presidente argentino Javier Milei: o anarcocapitalismo, avesso às atividades regulatórias do Estado.
“O Peter Thiel que foi sócio do Elon Musk no primeiro negócio deles, no PayPal, e também tem um papel importante dentro da administração Trump, defende em uma palestra que os Estados Nação têm que desaparecer para dar lugar a ilhas de liberdade.”
Essa defesa da liberdade, aponta Stedile, se aplica em especial à agenda tributária dos Estados: “Vou fazer parte dessa sociedade, mas não vou contribuir com ela, não vou dividir os meus recursos com essa sociedade na forma de impostos e que também, a gente tem acompanhado há muitos anos no tema das regulações das big techs, é a mesma lógica agora com as IAs”.
Prevista na Cúpula do Brics que será realizada em julho no Rio de Janeiro sobre a presidência no Brasil, a discussão sobre a regulação das IAs, foi a “grande novidade” do encontro no Brasil, avalia Miguel Stelide.
“Nós estamos fornecendo todos esses dados, estamos fornecendo a matéria-prima da IA sem nenhum tipo de compensação, autorização, recompensa. O que as big techs podem fazer com isso, qual o grau de proteção de privacidade a gente vai ter em relação a isso?”, aponta Stedile.
Para além da discussão sobre regulação, Stedile aponta que a DeepSeek abre a possibilidade para o Brics de dar um passo além nessa discussão. Por ser de código aberto, a IA chinesa possibilita que o grupo de países possa, a partir dela, criar sua própria IA.
“Você tem uma IA colaborativa e isso tem muito de materializar a política de relações internacionais do governo chinês de um futuro compartilhado com a humanidade”, aponta o historiador. “Se o Brics decidir construir a sua inteligência artificial, como o DeepSeek, já ganha muito tempo e potencializa. Você poderia ter pesquisadores de todos os países do Brics+ desenvolvendo paralelamente ou aprimorando essa ferramenta.”
Para o correspondente do Brasil de Fato na China, Mauro Ramos, para além do “futuro compartilhado” proposto pelo governo chinês, outra linha política adotada por Pequim é a abordagem para a IA focada nas pessoas, posicionamento expresso na Iniciativa Global pela Governança da Inteligência Artificial.
“A China lança essa proposta para ser debatida, porque entende dos riscos que tem, com a sua visão, dizendo que o desenvolvimento da inteligência artificial deve ser centrado no povo, no bem-estar da humanidade, garantindo a segurança social e respeitando os direitos humanos”, aponta Ramos.
Apresentado pelos jornalistas Lucas Estanislau e Rodrigo Durão, O Estrangeiro vai ao ar toda quinta-feira às 10h.
Edição: Leandro Melito
FONTE: BRASIL DE FATO