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O dia em que o CNPq foi misógino e preconceituoso ao negar bolsa a uma pesquisadora

28 de dezembro de 2023

Foto: Divulgação

Parecer do CNPq criticou que professora da UFABC não fez estudos no exterior e acusou a maternidade como motivo

Repercute nas redes sociais nesta semana o caso da cientista social, professora e pesquisadora da Universidade Federal do ABC (UFABC), Maria Carlotto, que expôs na internet o teor do parecer que recebeu do Conselho Nacional Científico e Tecnológico (CNPq), órgão vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, negando uma bolsa produtividade com argumentos que chocaram a comunidade acadêmica no País.

O parecer do CNPq sublinhou que Maria Carlotto não tem estudos no exterior e considerou que, muito provavelmente, isso se deu porque ela teve dois filhos ao longo dos últimos anos. A mensagem que trata a maternidade como um empecilho à carreira científica e que valoriza passagens em instituições internacionais sobre as nacionais, foi alvo de críticas e acabou projetada em jornais como a Folha de S. Paulo.

“Resultado preliminar da bolsa produtividade CNPq reconhece a minha carreira, mas aponta que não fiz pós-doc fora. Pandemia? Governo Bolsonaro? Não… ‘provavelmente suas gestações atrapalharam essas iniciativas, o que poderá ser compensado no futuro’. Vontade de chorar”, escreveu Maria Carlotto na rede social X. A publicação tem mais de meio milhão de visualização na plataforma.

Para a advogado e antropóloga Debora Diniz“há vários erros neste parecer. Salta aos olhos o colonialismo, a misoginia e a arrogância”.

“Não sei o que o parecer entende como pós-doutorado — será o trabalho de dois ou três anos de jovens doutores como assistentes de um professor sênior, ou as licenças/estágios acadêmicas brasileiras de um ano para pesquisa? Qualquer que seja a compreensão (repito: são muito diferentes), a colonialidade da avaliação é assustadora. “No exterior” é onde estaria o selo de mérito que faltaria à professora”, criticou Diniz numa publicação no Instagram.

“Está fora da imaginação intelectual do parecerista a possibilidade de uma formação sólida e continuada no país. Está fora da imaginação que uma mulher com filhos possa ser doutora, pesquisadora e professora. A tal ponto que se candidata ao início da carreira de pesquisadora do CNPq”, completou a jurista.

O outro lado

Em nota, o CNPq pediu desculpas pela situação, alegando que “tal juízo é inadequado tanto porque um estágio no exterior não é requisito para a concorrência em tal edital quanto por expressar juízo preconceituoso com as circunstâncias associadas à gestação. Não é, portanto, compatível com os princípios que regem as políticas desta agência de fomento. A agência tem em suas normas, inclusive extensões de períodos de bolsa e de avaliação em decorrência de maternidade”.

O órgão explicou também que “tal juízo foi formulado em parecer ad hoc, não tendo sido corroborado pelo comitê assessor responsável pelo julgamento, o qual fez análise de mérito comparativo com as propostas da mesma área apresentadas no edital e sopesou a disponibilidade de recursos orçamentários, sem considerar tal parecer. Os pareceres ad hoc são emitidos por especialistas, respeitando o sigilo de sua autoria, e são subsídios que os comitês podem ou não incorporar em seus julgamentos. Ademais, os julgamentos podem ser objeto de recursos pelos proponentes, recursos estes que são julgados por comissão institucional sem a participação dos comitês que fizeram o julgamento preliminar”.

Para Debora Diniz, não basta o CNPq fazer uma retratação pública. “Não é matéria de desculpa apenas: é urgente a atuação institucional para a compreensão da seriedade da pareceres, da sensibilidade para gênero, raça e região da candidata. É preciso anular este ciclo decisório das bolsas, comprometer-se ao treinamento dos parecerista, substitui-los, e novamente o processo ser aberto.”

O CNPq afirmou que “não tolera atitudes que expressem preconceitos de qualquer natureza, sejam eles de gênero, raça, orientação sexual, religião ou credo político. Por essa razão, a agência instruirá seu corpo de pareceristas para maior atenção na emissão de seus pareceres, e a Diretoria Científica levará este caso concreto à Diretoria Executiva do CNPq para o exame das providências cabíveis”.

Violência de gênero

Após a divulgação da nota de esclarecimento, a professora Maria Carlotto voltou às redes sociais. Ela manifestou que o erro foi do parecerista, mas o CNPq “deveria ter interditado o parecer como um todo. Na prática, o CNPq me incentivou a submeter um projeto pós-licença maternidade e me submeteu, depois, a uma violência de gênero.”

“(…) mesmo que eu use o meu direito ao recurso, isso não apaga a violência cometida. E, de novo, não é sobre mim e sobre este caso, que não deve ser isolado, mas sobre como vamos construir editais realmente abertos a mulheres, especialmente aberto a mulheres mães”, finalizou.

Leia a nota completa do CNPq aqui.

FONTE: JORNAL GGN

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