Sérgio Amadeu alerta sobre perigos de atrair data centers sem política de dados

Sérgio Amadeu alerta sobre perigos de atrair data centers para o Brasil sem política de dados. Créditos: Alex Dudar/ Muhammad Asyfaul/ Nicolau Chiamori/ Unsplash / Reprodução Fast Company
Ao Fórum Onze e Meia, sociólogo especialista em redes digitais fala sobre novo plano do governo federal para atrair big tech para o país
O Fórum Onze e Meia desta quarta-feira (7) recebeu o sociólogo e especialista em software livre e inclusão digital, Sérgio Amadeu, que falou sobre o novo plano do governo federal de atrair investimentos de cerca de R$ 2 trilhões na próxima década através do futuro Plano Nacional de Data Centers (Redata).
Na sexta-feira (2), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chegou a viajar para os Estados Unidos para se reunir com investidores e representantes de big techs do Vale do Silício, como Google, Amazon e Nvidia. O objetivo dos encontros é preparar o Brasil para lançar, ainda no primeiro semestre de 2025, a política que irá atrair datas centers e medidas de desenvolvimento de Inteligência Artificial. Dentre as medidas, estão as propostas de desoneração de impostos sobre investimentos e isenção sobre a exportação de serviços para as big techs.
Durante a entrevista, Amadeu, porém, fez algumas ressalvas sobre o novo plano do governo federal. Ele alertou que o Brasil ainda não tem uma política de dados efetiva, e que promover uma isenção fiscal para as big techs sem esse planejamento pode ser um “equívoco”. Ele relembrou que o próprio Estados Unidos, o país que mais lidera o desenvolvimento tecnológico e de IA no mundo, anunciou, no começo do governo de Donald Trump, US$ 500 bilhões no projeto Stargate.
“Quer dizer que os Estados Unidos vão investir mais fora nas big techs do que lá dentro no projeto Stargate?”, questionou Amadeu. “Eu acho que tem muito chute nessa parada de fazer um pacote de bondades para reduzir tributo para a big tech. As big techs já estão aqui e elas fazem a velha prática do colonialismo”, afirmou o especialista.
O sociólogo ainda destacou que hoje o Brasil “entrega dados para fora do país e compra produtos e serviços da big tech pagando muito mais caro”. “Enviando royalties e concentrando dados nos Estados Unidos”, disse.
Nesse sentido, ele fez alertas sobre a nova proposta do governo federal. “Qual a política de dados que a gente tem? Qual é o centro da política de dados na economia digital? Qual a importância da tecnologia na política econômica deste governo?”, questionou.
“Não tem essa resposta. Portanto, o que foi anunciado, de atrair 2 trilhões dando benefícios, isenção fiscal para as big techs, é um equívoco sem você ter uma política de dados”, destacou Amadeu.
Além disso, ele afirmou que essa proposta ainda tem o risco de gerar impactos ambientais nocivos. “Se a gente não tem política, o que nós estamos fazendo, na verdade, é trazendo para cá impactos ambientais nocivos, por mais que se tenha discursos que você vai usar menos água e tal”, afirmou.
Amadeu ainda apontou que o governo deveria “abrir a cabeça e passar a ter política tecnológica integrada”. “Essa é a minha reivindicação antiga que eu acho possível de ser feita”, disse. Ele sugeriu, por exemplo, utilizar o BRICS como um dos caminhos para atrair os data centers de maneira integrada.
“O BRICS é o nosso caminho de trazer investimentos e construir os data centers, a começar pelas universidades que entregam seus dados para as big techs”, defendeu. Em seu artigo publicado nesta terça-feira (6) no portal Outras Palavras, Amadeu alertou para o perigo de fornecer os dados das universidades para as big techs.
“Os repositórios de dados, as listas de discussão, a caixa postal digital de mais de 70% das universidades brasileiras estão hospedados com as big techs. Não temos políticas para reverter isso. Não incentivamos arranjos público-privados de capital nacional para a construção de data centers. Vivemos ainda a política do desenvolvimento a partir do aprofundamento da dependência. Esse parece ser o único caminho”, escreveu o sociólogo.
Regulação das plataformas
Amadeu também falou sobre a proposta do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) de suspender a plataforma Discord, utilizada principalmente por comunidades de gamers, até que a empresa cumpra com as leis brasileiras, com o objetivo de promover mais segurança. O parlamentar apresentou a proposta após ser descoberto que a tentativa de atentado à bomba durante o show da cantora Lady Gaga no Rio de Janeiro teria partido de grupos extremistas da plataforma.
O sociólogo destacou que essas plataformas apresentam vários problemas, que é “grave” não haver uma regulação e que quem se opõe a políticas de regulamentação são justamente as big techs. “Eu acho que é grave a gente não ter uma regulação, e você sabe quem é contra a regulação? As big techs, que a gente vai beneficiar”, afirmou.
“Vocês acham mesmo que o Mark Zuckerberg, o Elon Musk, e a turma do Google vão agir de maneira neutra na disputa política que está ocorrendo no país?”, alertou Amadeu. “Não vai haver isso, eles já não são neutros. Então, eu queria chamar atenção de que era preciso não se encantar com as big techs, a gente precisava estar buscando outros caminhos, mas é difícil, porque me parece que tem uma lógica meio alienada que você discute número de deputados, filosofia, moda, time de futebol, e a tecnologia secou pra quem está em uso no mercado”, lamenta.
No entanto, o sociólogo afirmou que a tecnologia é um dos “elementos cruciais do poder econômico, político e militar hoje no mundo”. “É só você ver os bloqueios que estão acontecendo, as guerras comerciais, tudo que está acontecendo. Então, a gente tinha uma oportunidade grande de olhar o BRICS, fazer um acordo, fazer joint ventures, acordos específicos, onde você arranja um público-privado, você trazer o BRICS pra cá”, defendeu.
Por fim, Amadeu voltou a reforçar que é preciso ter um plano tecnológico que defina o que o Brasil quer ser e o que pode ser no cenário tecnológico global. “Regular as plataformas é um pedaço fundamental para coibir, mas não resolve o jogo, o jogo se ganha com o jogador”, declarou.
“Qual é o nosso posicionamento no campo? Qual é o nosso papel na divisão internacional do trabalho? Isso é o papel de um governo. Eu sei que não é fácil, não tem dinheiro, mas está aí o banco dos BRICS, estão aí os acordos”, disse.
FONTE: REVISTA FÓRUM