Para entender os problemas dos clientes da XP, por Luís Nassif
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Modelo de expansão da XP acaba sendo uma pirâmide, pois sempre é necessário dinheiro novo, ou que o cliente reinvista patrimônio
Os problemas enfrentados pela XP, a onda de ações de clientes sentindo-se vítimas de golpe, é resultado direto do processo de ultrafinanceirização da economia e de concentração dos bancos de investimento.
O relato abaixo consegui com Raphael Carvalho, um consultor independente que não suportou o crime opressivo dos grandes escritórios de investimento.
A melhor síntese do que ocorre no mercado está em uma cena de “O lobo de Wall Street”.
Especula-se que Guilherme Benchimol, o fundados da XP Investimento, inspirou-se em Luiz Cézar Fernandes (ex-Pactual) e na corretora norte-americana Charles Schwab.
Aliás, no final dos anos 80, quando fundei a Agência Dinheiro Vivo, já havia corretoras interessadas em usar o material didático como forma de atrair investidores.
Ao ser demitido da corretora Investshop (do extinto Banco Bozano, comprada pelo Itaú), mudou-se para o Rio de Janeiro e iniciou as atividades de AAI (Agente Autônomo de Investimento).
O modelo se baseou principalmente no educacional voltado para compra e venda de ações, e operações em renda variável (opções, venda coberta, termo, arbitragem);
Até essa época a XP era um escritório de Agente Autônomo de Investimentos, e não uma corretora e/ou banco.
Recebeu dois aportes importantes do fundo General Atlantic, um em 2010 e outro em 2012, que possibilitou a compra de uma corretora pequena, a América DTVM.
Ao se transformar em corretora, apostou no modelo de escritórios de assessores, visto que a concentração de investimentos no Brasil está nos ‘bancões’.
O modelo deu tão certo que o Itaú resolveu comprar quase 50% da XP.
Nessa altura a XP já havia se espalhado consideravelmente, porém decidiu investir ainda mais na abertura de novos escritórios e na captação de novos assessores, comprando outras corretoras menores. Essa estratégia mirou nos investidores independentes (aqueles que decidem investir por conta própria).
Ao desbravar um mercado ainda inexplorado, a XP realizou a abertura do seu capital na Bolsa de Nova Iorque NASDAQ.
A XP também decidiu investir no segmento de mídia especializada de investimentos, como o portal InfoMoney.
Além do portal, a XP começou a financiar influenciadores digitais, como o “Primo Rico”, incluindo podcasts, páginas de investimentos nas redes sociais, etc…
Ao se tornar gigante, a XP entrou de vez no mercado bancário, tornando-se um banco múltiplo e também mirando na área de investidores de altíssimo poder aquisitivo.
A essa altura, vários escritórios da XP tornaram-se gigantes, e almejaram seguir a mesma trajetória, ou seja, converter-se em corretoras.
Outra ‘sacada’ da XP foi a realização da Expert, evento para seus assessores e gestores poderem divulgar seus produtos e serviços. Na prática uma feira de serviços financeiros.
Vendo esse crescimento exponencial, o BTG entrou na briga e investiu no segmento. Comprou a Necton, Planner e Elite. Também investiu em veículos online para competir com os portais “patrocinados” ou da XP.
Essa briga entre XP e BTG, culminou em duas situações: (i) a troca (saída de um escritório vinculado a XP p/ o BTG e vice-versa), e (ii) questões junto ao CADE.
Essa briga acabou gerando uma disputa interna (escritórios da XP ‘roubando’ clientes de outros escritórios, ou assessores sendo ‘captados’ pelo concorrente).
Com o modelo ‘saturado’ a XP decidiu investir em ‘Bankers’, ou seja, assessores plugados direto a corretora, além de abrir escritórios próprios.
As consequências
Este modelo acaba sendo uma pirâmide, uma vez que é necessário sempre dinheiro novo, ou que o cliente reinvista seu patrimônio (girar carteira), especialmente pelo fato que 90% dos assessores são remunerados por comissão (rebate ou fee, no jargão).
É necessária a entrada de novos assessores a todo momento, para aumentar a captação de clientes, e por consequência o capital. Isso por sua vez, foca na quantidade e não na qualidade.
Nesse modelo de pirâmide, a XP enfrenta alguns problemas, como por exemplo números que eventualmente, estejam ‘descorrelacionados’. Como o capital é nos EUA, a justiça lá é mais dura.
Também é necessário que os assessores continuem a captar cada vez mais, e ‘empurrem’ produtos que gerem receita para empresa.
Outro fator é que para captar novos clientes, é necessário oferecer vantagens, e nesse ponto as corretoras começaram a ‘zerar’ taxas de corretagem. Ou seja, para compra-e-venda de ações, a corretora não cobra nada (mas ganha na custódia, ou seja na guarda das ações na B3).
Outro ‘truque’ para ‘reter’ os clientes, especialmente em fundos, é criar ‘fundos espelhos’, ou seja, a XP cria um fundo que replica a carteira do fundo do gestor independente. Assim, não é possível o cliente migrar de uma corretora para outra sem ‘zerar’ a posição.
Além disso, os fundos espelhos criados pela corretora, diminuem o valor inicial de aplicação.
Uma coisa é Fundo de investimento em cotas. Ou seja, o fundo compra cotas de outros fundos. O fundo espelho replica a carteira do fundo ‘master, ou fundo mãe.
Outro ‘truque’ é o chamado RLP. Sigla em inglês para Retail Liquidity Provider, que seria um provedor de liquidez. Só que na prática, acaba sendo uma bucket shop. Além de permitir que a corretora zere a posição em cima do cliente.
Nessa seara das RLPs, está a especulação nos contratos futuros (dólar e índice), onde se alega que pode-se viver de trader. Desta maneira incentiva-se operações nestes segmentos. O detalhe que os clientes operam alavancados em mais de 1.000%. E a maioria quebra.
Como não há almoço grátis, o que a corretora oferece com uma mão, tira com a outra. Ao zerar a taxa de corretagem, a corretora aumenta outras taxas, e uma delas é a taxa de zeragem. A taxa de zeragem é quando o mercado está indo contra a sua posição e você não possui margem de garantia (ou dinheiro suficiente) para manter a posição. Desta forma a corretora zera a sua posição, pois ela é a sua contra parte.
Embora haja uma tabela da B3, as corretoras podem, cobrar esses valores também.
O golpe da XP
Certificados de Operações Estruturadas, os COEs, são as antigas Notas Estruturadas. Na prática são operações envolvendo opções. Essa coqueluche se dá pelo fato que pode-se montar centenas de operações estruturadas com as opções. Nos COEs, as comissões são maiores. Um dos ‘atrativos’ é o chamado ‘capital protegido’. Ou seja, se não der lucro, o investidor recebe o que investiu.
O golpe dos consultores da XP é o seguinte:
1. Quando se associa a um fundo, o investidor define que tipo de risco deseja correr: conservador (não quer risco nenhum), moderado ou arrojado.
2. Os consultores da XP vão até o investidor conservador e o convencem a comprar um COE. O argumento é que a XP vai entrar junto no investimento, com 80% do valor. E o que passar do CDI sobre os 100% é do cliente. Não explicam que trata-se de um contrato de risco.
3. Quando o valor sobe, a XP ganha o CDI. Se o valor cai, descobre-se que o tal aporte da XP era, na verdade, um empréstimo. Mais que isso, os COEs pagam altas taxas de corretagem. Com o mercado em queda, esses dois fatores corroem não apenas o lucro como o principal do investidor.
4. Quando ele recorre à XP, ou ao jurídico, é tratado como um marginal.
O descaso com o cliente decorre do imenso poder do setor, que se tornou grande patrocinador de veículos e com grande initmidade com o Judiciário. Foi na XP, que o Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, deu uma palestra remunerada, na qual afiançou que o setor poderia contar com o apoio do Supremo – quando ele assumisse a presidência.
Ora, o assessor de investimento não pode executar ordens sem a prévia autorização do investidor. Se executa, está cometendo crime.
As ordens devem ser gravadas. O sistema de gravação pode ser por voz (telefone) ou e-mail e atualmente existe o sistema “push”. Hoje em dia este mecanismo é amplamente utilizado, pois a operação já vem ‘montada’ e o assessor envia para o cliente apenas para que este dê o ok.
Nos casos reletados pelas vítimas, foi solicitada a gravação das conversas e o jurídico da XP não disponibilizou.
As corretoras possuem os estrategistas, ou aqueles que possuem a certificação para estruturar a operação. Desta maneira, a corretora lança o ‘call’, ou seja a operação e cabe ao assessor explicar ao cliente os riscos, retorno e tributação. Assim, a corretora não pode se eximir das responsabilidades, já que as operações são estruturadas por ela.
Conclusões
Em suma, observa-se que:
1 – O Brasil possui um mercado de capitais pequeno. Só o valor de mercado da Apple nos EUA vale mais que toda nossa bolsa.
2 – A regulação e legislação é arcaica e engessa consideravelmente a expansão do nosso mercado.
3 – A migração no modelo de investimentos está passando por transformações, porém o oligopólio permanece.
4 – O modelo de assessoria basicamente é uma pirâmide, onde sempre será necessária a entrada de dinheiro novo, novos clientes, e até mesmo o ‘giro’ do capital aplicado em novos produtos.
5 – A entrada de novos ‘profissionais’ está sendo realizada de forma mais simplificada, e os mecanismos criados para ‘reciclagem’, são ainda incipientes.
6 – A ganância e a eterna busca por resultados superiores, atreladas à má – fé, alavancam ainda mais esse cenário.
Fonte: Jornal GGN